Claudio de Moura Castro
20 de Agosto, 2014 Veja.
Corrupção, burocracia ou
ambos?
A praga da corrupção, nem só
brasileira e nem só de hoje, encontrou aqui solo fértil. A primeira e mais
óbvia perda é desperdiçar recursos. Gasta-se mais para fazer a mesma coisa. A
segunda é que distorce as escolhas, como resultado de acertos escusos, por baixo
da mesa. Talvez até mais perversos sejam o desalento e o desencanto da
sociedade, que vê prosperar os finórios e ser sonegados os prêmios a quem os
merece.
Esse é um dos grandes
desafios que enfrenta a nação, seja nas pequenas tretas, seja nos megagolpes.
São bem-vindos os esforços para combatê-la, com regras severas e punições
exemplares.
Alguns remédios curam a
doença, mas deixam estragos no organismo. Igualmente, o combate á corrupção tem
também efeitos colaterais sobre a sociedade e sobre o serviço público. As
grandes realizações do Estado sempre foram feitas por administradores destemidos,
navegando no limite do prudente e do legal. A barafunda da legislativa, a
burrice e a rigidez das regras de funcionamento hoje impostas para coibir a
corrupção fizeram da covardia a grande virtude de um dirigente público.
Ministérios públicos e tribunais de contas pairam no cangote de quem quer fazer
aquilo de que a sociedade precisa. Há uma paralisia decisória. Quem mereceria
ser chefe ficou mais arredio. E, após as decisões, o caminho da implementação é
pantanoso e traiçoeiro. Jornais falam de atraso na execução de obras públicas.
É inexato, o atraso é mais na papelada que vem antes dela. As exigências legais
são tortuosas e descabidas, as licitações empacam, há impugnações. Muitos
controles atingem gastos ridiculamente pequenos. Quando eu trabalhava no Ipea,
a impressão de nossas pesquisas e o selo de correio eram pagos pelas nações
Unidas, tão obtusas são as regras de serviço público para gastos ínfimos. Acadêmicos
consagrados têm suas pesquisas interrompidas por dificuldades para comprar
reagentes (de custo desprezível). As centenas de fundações universitárias não
deveriam existir. Sem elas, porém, não haveria pesquisa em instituições
públicas, pois não se compra, vende, contrata e descontrata, mesmo que sejam
vinténs. Mas são fiscalizadas com fervor religioso e regras barrocas e
instáveis.
A iniciativa privada também
é vítima dessa obsessão de controlar, de fiscalizar tudo, de criar complicações
inacreditáveis para realizar tarefas cotidianas. Abrir e fechar empresas, tirar
alvará de obras e habite-se são epopéias administrativas.
Qual o resultado? Pega-se um
ou outro ladrão de galinha e escapam incólumes os salafrários mais espertos.
Parafraseando Ortega Y Gasset, na ânsia
de impedir o abuso, pune-se o uso. A vida se complica para todos. O cidadão
comum tropeça a cada passo com o mundo da burocracia. Se começam, as obras
públicas não acabam. O paquiderme não anda. Ao mesmo tempo, os profissionais da
sem-vergonhice permanecem incólumes. É o pior dos mundos. Ousemos perguntar: será
que um governo corrupto eu faz não seria melhor do que o também corrupto que
não faz?
Mas há consertos. Em
primeiro lugar, é preciso mais inteligência e pragmatismo nas regras
burocráticas. As formas de dirimir conflitos devem melhorar dramaticamente. O
controle tem de ser comensurável com a seriedade do potencial delito. Quem merece
mais confiança deveria ser confiado. Despesas pequenas, danos pequenos,
controles pequenos.
Aliás, a corrupção não é um
flagelo incurável. Na Inglaterra do início do século XIX, candidatos anunciavam
no jornal sua disposição de comprar votos. Hoje o país é exemplar em moralidade
pública. Na entrada do século XX, os capitalistas americanos, chamados de
Robber Barons, mereciam amplamente esse apelido. Hoje seus herdeiros lideram as
grandes fundações filantrópicas. No pós-guerra da Coréia, na década de 50, nem
a tropa americana estacionada em Seul escapava do caos. Contou-me um então
soldado americano que chegaram a roubar do seu quartel um tanque de guerra
completo. Hoje, a imagem da Coréia é outra.
Para consertar, porém, o
exemplo precisa vir de cima. Necessitamos de lideranças que ponham a moralidade
pública e o bem-estar da sociedade acima dos interesses eleitoreiros. E que dêem
o exemplo de bom governo. O resto acontece.
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